quarta-feira, 2 de março de 2011

DE AMOR E FLOR

Lendo jornal despretensiosamente deparei-me com esse bonito texto de Celia Musilli e resolvi dividir esse prazer com vocês.

DE AMOR E FLOR


- A existência da flor é um milagre. Ela vem das profundezas, supera obstáculos, ultrapassa mundos de insetos, condensa seivas, carrega perfumes para, enfim, eclodir como um excesso de beleza sem que ninguém peça ou impeça.
- Uma flor surgiu no meu canteiro. É de um lilás profundo, esbanja o luxo de parecer veludo, é feminina nas formas, no conteúdo é andrógina, une androceu e gineceu, guardando pequenos óvulos para serem polinizados.
- A flor faz um caminho difícil, necessita da umidade mas não resiste ao seu excesso. Assim, com uma medida de sede e outra de necessidade, se equipara ao amor, equilibrando-se entre o mais e o menos. Amor de menos morre, definha, amor demais enjoa ou ultrapassa os limites. Assim, aprende-se com a flor que é preciso medir as forças, sendo que de um lado e de outro há sempre um risco.
- A flor luta para se multiplicar e no seu ciclo perfeito existe e enfeita. Sai da semente como um projeto que acompanha toda a estrutura da planta até despontar na haste, provocando o encanto dos que a encontram. Observando minha flor de veludo, vi que o lilás é matizado, claros e escuros como quem procura a proporção exata. Tem um perfume suave, não é ostensiva como jasmim, nem inodora a ponto de não parecer que é flor. Flores têm cheiros e em determinadas épocas inundam lugares só com seus aromas, sumidas entre as folhas, escondidas em árvores, brincam de fazer mágica em seu reino.
- Os botânicos dizem que a fase mais crítica da planta é quando elas florescem, porque toda energia é direcionada para que isso se realise. Para ela converge todo o esforço das realizações importantes sem poder errar, porque como as flores, certas coisas só acontecem uma vez, não existe uma segunda chance.
- Ainda assim, com esta completude, as flores correm o risco de serem incompreendidas, algumas são despetaladas, pisoteadas, ignoradas na sua função. Há flores ainda que irrompem das pedras e nem sabemos como conseguem contornar veios de granito, mas respiram em espaços exíguos e vencem a pedra com sutileza e teimosia.
- A flor mais teimosa que já vi nasceu no asfalto, como no poema de Drummond. Venceu a aridez, a dureza e, mais do que tudo, o cotidiano, como uma pessoa que sai por aí enfrentando o que tem pela frente. neste sentido, as flores são cheias de humanidade, embora mais frágeis e mais breves, lutam contra a adversidade e pela sobrevivência em tempo curtíssimo. Em vez de anos, vivem apenas dias, cumprindo à perfeição o seu papel de preservar a poesia entre as estações. Os deuses bem que podiam nos ajudar a ser menos pedra e mais flor. Como no amor, a beleza importa mais que a eternidade.

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